quinta-feira, 23 de junho de 2016

Centenário da Primeira Batalha do Rovuma
(Grande Guerra 1914-1918)
A Batalha de Namiranga - Namaca
27-05-1916 - 27-05-2016
(Inserida na 2ª. Expedição ao Rovuma)
4ª. Parte
RELATÓRIO
Namaca de 22 de Maio de 1916                       Urgente
Destinatário:  Ao Snr. Chefe do Estado Maior de Kionga
Remetente: Do encarregado do reconhecimento Capitão Armando Tudella
 
Por signaes combinados com Sua Exª. o Governador Geral, recebido de bordo de um dos vapores, comunico a V. Exª., que as lanchas podem entrar amanhã a barra do Rovuma, debaixo da protecção do Adamastor.
Mais me cumpre participar que as comunicações que aqui recebi dirigidas a S. Exª. o Governador Geral e ao Snr. Imediato do Adamastor foram agora entregues ao guarda marinha Salgueiro que se encarregou de lhas ir entregar.
Ass- Armando Tudella (Cap.).
Comunicado de 25 de Maio de 1916
Remetente: Armando Barreto Figueiredo Tudella – (Cap.).
Destinatário: Chefe do Estado – Maior
 
 
Relatório (13 de Maio a 25 de Maio), referente aos preparativos para reconhecimento das margens do rio, afundamento da baleeira, perda da lancha e o combate que se seguiu, com a duração de 2 horas e 35 minutos.
Por este relatório ser extremamente longo faz-se alocução generalizada do que sucedeu e ao comportamento das forças envolvidas.
O relatório teve a finalidade de expôr ao Chefe do Estado – Maior de Kionga todas as iniciativas que o Capitão Tudella tomou para poder realizar e levar a sua missão até ao fim, com o mínimo de perdas humanas, demonstrando sempre uma preocupação latente com os seus subordinados, tanto na sua defesa física, como no seu bem estar, elevando sempre o moral das forças, quando estas em situações extremamente adversas se deixavam abater.
Perdeu-se por falta de colaboração uma baleeira, apesar dos insistentes pedidos de reforço do Capitão Tudella, assim como a lancha que não chegou a atracar e que por esse motivo foi levada pela corrente por manifesta falta de equipamento para a rebocar para a margem. Apesar destas vicissitudes, o Capitão Tudella assumiu por inteiro a responsabilidade do afundamento da baleeira sem evocar a situação que viveu, não sendo correspondido pelo comando do sector no auxílio entretanto solicitado por diversas vezes.
No combate que entretanto se travou, teve sempre o cuidado de estar junto das suas forças dando ordens precisas, com as quais conseguiu repelir o inimigo na sua ofensiva, tendo sempre presente a integridade física dos seus homens.
Fez uma abordagem de tudo o que conseguiu reconhecer e deu opiniões certas para futuras incursões, no que ao terreno diz respeito, assim como às movimentações do inimigo na outra margem.
Propôs ao seu superior hierárquico louvores aos seus subordinados pelas acções em combate, deixando ao critério do mesmo a maneira como deveria recompensar alguns soldados indígenas, explicando esse motivo.
Pequena resenha dos acontecimentos anterior à batalha de Namiranga.
 Comunicado de 26 de Maio de 1916
Remetente: Armando Barreto Figueiredo Tudella – (Cap.).
Destinatário: Exmº. Snr. Tenente-Coronel Comandante das Forças Expedicionárias no Nyassa.
Exmº. Sr Tenente Coronel Comandante das Forças expedicionárias no Nyassa.
Em cumprimento do solicitado por V. Exª., em virtude do relatório por mim ontem entregue ter sido terminado apressadamente devido à ordem que recebi para partir para Namaca duas horas depois, venho dizer qual é a minha opinião, depois de estudada a margem do Rovuma e seu grau de viabilidade, que a travessia por forças regulares, não se deve efectuar a jusante de Namoto e muito principalmente de Namiranga, único ponto onde poderá ser tentada com algumas probabilidades, ainda que poucas.
Que em frente de Namaca julgo será não só ineficaz como provocará um desastre, a não ser que o inimigo seja apanhado de surpresa e esteja tão longe desse ponto que lhe seja impossível descer à margem e pôr a funcionar uma só metralhadora durante alguns poucos minutos, o que provocaria o desbaratamento completo das forças. Numa leve inspecção da margem do Rovuma bastará para corroborar o que afirmo e com o que V. Exª., concordou plenamente, dizendo-me, no entanto, que essa travessia se efectuaria, apesar disso, por tudo já estar determinado nesse sentido e feita a combinação com as forças da Marinha.
 Estanhei sinceramente que V. Exª. me tivesse pedido ontem, quando entreguei o relatório, e sobre este assunto conversei com V. Exª., para na nota dizer mais concretamente qual a minha opinião sobre o ponto ou pontos aonde julgava dever tentar-se a travessia para assim ficar mais leve a minha responsabilidade, visto que fui encarregado de uma missão, e apesar de ter sido escolhido pelo Comandante, conforme V. Exª., sabe, sem ser ouvida a minha opinião oficialmente, nem lido o meu relatório que não estava ainda completo, no qual, repito, por ter sido mandado terminar no prazo de 3 ou 4 quartos de hora não é tão claro nem quanto como eu desejaria, apesar de bem concretamente dizer que a travessia devia ser realizada em Namoto ou a montante um quanto para mim desconhecido, por o meu estudo não ter ido até ali, e que para ser tentada em Namaca só poderia ter êxito se fosse realizada depois de outra ou outras colunas o terem atravessado a montante de forma a obstarem a que o inimigo descesse a defender a margem em frente de Namaca.
Mais venho confirmar oficialmente, visto ser do conhecimento de V. Exª., por a isto ter assistido, e que entreguei uma cópia do relatório ao Chefe dos Serviços de Saúde, capitão médico Floriano Monteiro, afim de que esse defenda depois da tentativa da travessia.
 
Publicado no Jornal das Caldas em 22 de Junho de 2016
(Continua)
 


quarta-feira, 15 de junho de 2016

 
 
Centenário da Primeira Batalha do Rovuma
(Grande Guerra 1914-1918)
A Batalha de Namiranga - Namaca
27-05-1916 - 27-05-2016
(Inserida na 2ª. Expedição ao Rovuma)
Por: Luís Tudella
3ª. Parte
(Continuação)
 
Os Meios
A fim de assegurar a ocupação e pacificação do norte de Moçambique, havia até à fronteira e ao longo dela, alguns postos e fortificações militares com instalações precárias e de reduzidos efectivos. Serviam perfeitamente para os fins para que foram criadas, mas não constituíam um sistema de defesa capaz contra ataques de maior envergadura, vindos do exterior, constituído por tropas regulares bem organizadas e bem mais apetrechadas com armamento mais moderno e eficaz.
As condições climatéricas aconselhavam a presença de tropas autóctones. Perante o factor atrás exposto, teve que ser maciça a utilização de tropas indígenas, que precisariam de longo treino para se adaptarem aos processos de guerra utilizados.
Os auxiliares e carregadores eram na totalidade indígenas que transportavam água, munições, víveres e todos os outros artigos indispensáveis às tropas. Mas nem sempre havia lealdade, pois a etnia “maconde”, estendendo-se a uma e a outra margem do Rovuma, tanto servia indistintamente os portugueses e os alemães, colaborando com o partido que lhe parecia vir a ser o vencedor e que melhor os tratasse, (remuneração e víveres).
De salientar um pormenor, pouco conhecido, mas merecedor de referência: a diferença de posturas e atitudes de preparação para a guerra dos militares dos dois países. Os militares brancos alemães, em todas as operações, pintavam-se de preto e utilizavam fardamento que se confundia com o capim e com as tropas nativas, e só através de observação muito atenta se diferenciavam. Os portugueses, por sua vez, não se preocupavam sequer com disfarces pelo que eram perfeitamente identificáveis, em especial os graduados que exibiam os seus galões e as suas espadas muito reluzentes, o que os tornava alvos fáceis.
Enfim, posturas diferentes de encarar situações idênticas !!!
Após a ocupação do triângulo de Quionga pelas forças militares da 1ª. expedição, montaram-se cinco postos ao longo do Rio Rovuma: Nhica, Nachinamoca, Namoto, Namiranga e Namaca. Na antiga fronteira mantiveram-se os antigos postos de Pundanhar, Nangadi, Mocimboa do Rovuma, Matiú, Negomano, Unde, Maziúa, Macalogi, Matomone e Chivinde, já no Lago Niassa.
A 2ª. Expedição embarcou para Moçambique em Outubro de 1915 no vapor Moçambique, onde seguia a bordo o novo Governador Geral, Dr. Álvaro de Castro. Foi seu Comandante, o Major de Artilharia José Luís de Moura Mendes e Chefe do Estado - Maior, o Capitão de Infantaria Liberato Damião Ribeiro Pinto.
 
 
                                                        Armando Barreto Figueiredo Tudella
À 2ª. expedição juntou-se  o Capitão Tudella que embarcou para a cidade de Porto Amélia, a fim de prestar serviço, junto do destacamento expedicionário, no norte de Moçambique, sendo-lhe dado o comando da 10ª. Companhia de Indígenas. A sua missão consistia essencialmente no reconhecimento das margens do rio Rovuma, e de algumas estradas e caminhos da margem norte, assim como no levantamento topográfico da região desde a foz, para montante, que era quase na totalidade desconhecido e sem registos; a finalidade principal consistia na passagem do rio para a margem esquerda e, após esta, atravessá-lo, ocupá-lo ou construírem postos de vigilância avançados.
Este oficial exercia as funções de Sub-Chefe do Estado Maior de Lourenço Marques, deixando de o ser a seu pedido.
(Continua)
Publicado no Jornal das Caldas em 15 de Junho de 2016


quinta-feira, 2 de junho de 2016

 
Centenário da Primeira Batalha do Rovuma
(Grande Guerra 1914-1918)
A Batalha de Namiranga - Namaca
27-05-1916 - 27-05-2016
(Inserida na 2ª. Expedição ao Rovuma)
2ª. Parte
Morfologia e Operações
A morfologia do norte de Moçambique exerceu influência profunda na conduta das operações ao longo destas quatro expedições pela natureza e características do relevo e densa arborização, alguma de grande porte. A densidade da arborização nalguns locais dificultava a marcha, as operações de reconhecimento, sendo a segurança efectivada pela Infantaria a arma com maior possibilidade de progressão. O apoio da Artilharia era apenas útil em situações específicas. O alto capim dificultava a progressão das colunas e limitava a observação e execução de tiro, mas favorecia a aproximação por surpresa (emboscada ou guerrilha, etc.).
Navegabilidade do Rio
A navegabilidade do rio tem duas épocas distintas durante o ano:
1)- A estação das chuvas, que vai desde o mês de Outubro até ao mês de Abril, com elevadas precipitações, provocando enxurradas enormes, sentindo-se a sua influência mais junto à foz, (o rio nasce no Lago Niassa e recebe, no trajecto, as águas dos seus afluentes de ambas as margens). Nesta época do ano o rio é navegável mais para montante, permitindo a navegação a embarcações de maior calado, alargando as suas margens por influência desta circunstância.
2)- A estação de seca está compreendida entre os meses de Maio a Setembro. Esta época caracteriza-se por escassez de água debitada de montante para jusante, o que vem permitir a formação de bancos de areia, na maré vazante, sendo encobertos na praia - mar. Com a erosão das margens, o arrastamento de detritos e com a movimentação de areias provenientes das marés ao longo dos tempos, formam-se ilhas que em diversas épocas permitiam o seu acesso a vau.
Entre os referidos bancos, criam-se canais estreitos e por vezes profundos onde a água provoca fortes correntes, a par de outros canais mais largos de menor profundidade, que permitem a passagem de banco de areia em banco de areia, a vau. A situação dos bancos de areia era alterada em função das correntes, pois tanto se formavam para uma margem como para outra, ou se deslocavam para jusante ou montante, em função das forças das águas das marés.
Outra situação que se criava era o estreitamento das margens, a navegabilidade não permitia avanços em direcção a montante, não permitindo também o a atracagem às margens, assim como não permitia a navegação de embarcações a partir de determinado calado, pois corriam o risco de encalhar.
A cota da margem esquerda do rio é mais elevada em quase todo o seu percurso. A do lado direito, junto à foz, é muito pantanosa e de difícil penetração, com alterações constantes na sua configuração em função das forças das águas provenientes das marés.
Pelo que se expõe, o rio e as marés que o influenciam eram parte integrante e fundamental para qualquer operação do reconhecimento de margens, do levantamento topográfico do terreno (ilhas e ilhotas), ou mesmo de operações de combate, que estavam sujeitas ao seu ciclo.
Margem do Rio Rovuma
 
Clima – Saúde
A estação das chuvas vai de Outubro a Abril, como acima se referência, com altas temperaturas, acentuadas variações térmicas diurnas e nocturnas e elevado índice de humidade. A natureza insalubre do clima foi um inconveniente para as tropas, nomeadamente as metropolitanas (os europeus fixados na província tinham melhores condições de resistência), podendo-se afirmar que as doenças (paludismo, do sono e infecções intestinais) foram causadoras de baixas em quantidades significativas, conseguindo por vezes inutilizar unidades inteiras, do tipo batalhão. A profilaxia era insuficiente e os cuidados das tropas com água eram inexistentes, os alimentos e até a higiene geral escapavam aos seus hábitos, normas e recomendações. A época da seca, de Maio a Outubro, era o período mais aconselhável para a execução das operações. O emprego de solípedes estava por sua vez condicionado à existência de água, já que a alimentação como regra era à base de forragens. Contudo, em muitas ocasiões, a luta pela água no tempo seco, tanto para as tropas como para os animais, teve carácter prioritário e decisivo na conduta das operações.
A mosca tsé-tsé era um permanente inimigo dos animais, infligindo numerosas baixas irrecuperáveis, não sendo aconselhável a evacuação do gado doente por razões de contágio e disseminação da doença.
A par destas vicissitudes, há que acrescentar o desconhecimento quase generalizado da fauna, mas em especial de répteis e insectos que por lá existiam em terrenos pantanosos e de floresta densa, cujos elementos eram propícios à sua proliferação, como serpentes e cobras venenosas, não havendo antídoto para neutralizar o seu veneno, (serpente naja, extremamente agressiva e venenosa, a cobra cuspideira, cujo veneno era direccionado para a vista provocando a cegueira, caso não se procedesse de imediato à lavagem da vista, a presença de leões, hienas, crocodilos, etc.).
(Continua)